Nas
nossa ruas ao amanhecer
Há tal sonoridade, há tal melancolia "
(Sentimento de um Ocidental / Cesário Verde)
Há tal sonoridade, há tal melancolia "
(Sentimento de um Ocidental / Cesário Verde)
O filme Alma Corsária de Carlos Reichenbach é uma declaração de amor à cidade de São Paulo, não por causa do seu fausto, sua glória inscrita nos mausoléus de vidro e concreto, mas por sua pulsante vida subterrânea onde convivem marginalizados à deriva do sistema econômico.
Os personagens
principais são os poetas Torres (Bertrand Duarte) e Xavier
(Jandir Ferrari) inspirados respectivamente em Augusto dos Anjos
e Cesário Verde. Cesário Verde dividia-se entre
a atividade no comércio e a poesia, dilema que o acompanhará
pelo resto de sua vida. Sua poesia é marcada por uma intensidade
romântica que combina Eros e Tânatos, amor e morte.
Augusto dos Anjos nasceu numa família humilde, sua poesia
é de uma virulência quase sem precedentes, rebuscada
e cheia de termos científicos, ela busca segundo Alfredo
Bosi "A dimensão cósmica e a angústia
moral do homem".
Em uma cena
aparece um negro forte, aparentemente vai carregar um piano, porém
ele senta e começa a tocar Claire de Lune de Debussy, dando
início a devaneios dos freqüentadores. O China sonha
com sua terra, Flor pensa no Havaí. As imagens de viagem
forma feitas pelo pai do diretor Carlos Reichenbach: esta seqüência
deveria estar em qualquer antologia do cinema brasileiro pela
sua forte carga poética. Ao mostrar a dança de uma
anã e o homem tocando piano, ele nos alerta para que tenhamos
cuidado com os falsos julgamentos, o sublime pode estar onde menos
se espera. Os ideólogos da dominação: O filme
questiona se ainda há espaço para a arte num mundo
dominado pelo consumismo e pela competitividade vil.
Palavras como:
flexibilização, enxugamento, reestruturação
escondem uma ideologia perversa, o discurso competente que segundo
a filósofa Marilena Chauí elimina o poder de reação
já que quem o dissemina apresenta credenciais poderosas,
títulos que mascaram as intenções perversas.
O neoconservadorismo está presente depois de diversas tentativas
libertárias terem fracassado. Ao sistema dominante não
interessa a contestação, é preciso que todos
aceitem seu destino passivamente, como se não houvesse
outras alternativas. A realidade presente é vista como
a única possível, a capacidade de pensar diferente
é suprimida. A inadequação de Bertrand ao
procurar um trabalho exemplifica este aspecto. Ele é obrigado
a aceitar atividades extremamente desestimulantes, o diretor chega
a colocar um esqueleto para representar o funcionário padrão
da empresa, o Osório.
Zurlini: Influência primeva e fundamental
O cineasta italiano Valério Zurlini, surgido na mesma época de Antonioni é uma das maiores inspirações do diretor, chamado de o poeta imagético da melanacolia, buscava a epifania nos sentimentos prosaicos. Seus estudos cromáticos que realizou junto com o seu fotógrafo Giussepe Rottuno buscavam uma textura além do negativo, ele dialogava com as artes plásticas e com a Literatura. O amor ao próximo demonstrado por Torres ao salvar um homem que tentava se suicidar e acolher uma prostituta maltratada demonstram uma similaridade com os personagens de Zurlini.
Zurlini: Influência primeva e fundamental
O cineasta italiano Valério Zurlini, surgido na mesma época de Antonioni é uma das maiores inspirações do diretor, chamado de o poeta imagético da melanacolia, buscava a epifania nos sentimentos prosaicos. Seus estudos cromáticos que realizou junto com o seu fotógrafo Giussepe Rottuno buscavam uma textura além do negativo, ele dialogava com as artes plásticas e com a Literatura. O amor ao próximo demonstrado por Torres ao salvar um homem que tentava se suicidar e acolher uma prostituta maltratada demonstram uma similaridade com os personagens de Zurlini.
Os Cortes
Temporais: Espírito de época
O diretor
cria diversos cortes temporais durante o filme, retrata a infância
dos personagens no início dos anos 1960, mostra os conflitos
ideológicos durante o regime militar, critica tanto a violência
dos donos do poder quanto a fé cega em discursos tirados
das cartilhas de Karl Marx, Stalin, Mao entre outros . Duas cenas
são impagáveis, numa delas Torres ao ouvir a palavra
"massa" ser citada com exaustão fala que está
ficando com fome, em outra cena Torres assiste à apresentação
de slides contendo personagens históricos e manda voltar
ao perceber uma imagem erótica perdida no meio das outras
. A anarquia é exaltada numa cena em que Torres troca de
camisa diversas vezes, elas contém mensagens ideológicas.
Reichebach homenageou Andréa Tonacci com uma cena em que
Carolina Ferraz representando uma musa misteriosa dança
em cima de um prédio. No filme Bang-Bang de Tonnaci também
ocorre a dança, só que em outro contexto. A dançarina
de Bang-Bang é vigorosa nos gestos e na aparência
enquanto a de Alma Corsária é leve, diáfana.
Torres tem visões, a musa misteriosa aparece para cuidar dele em diversas partes do filme, o amor total só é possível nas esferas da criação artística, volatilidade das imagens efêmeras. As relações reais dele são transitórias, é um errante condenado a pequenos momentos de felicidade.
A mistura
de repertórios: Uma lição modernista
Uma das características
principais da obra de Carlos Reichenbach é a mistura de
repertórios. Em Alma Corsária ouvimos Debussy num
bar da Boca do Lixo, poemas de Cesário Verde são
lidos por um personagem errante, um lúpem (Abraão
Farc). Onde parece haver um deslocamento contextual encontra-se
uma das maiores qualidades do diretor, absorvendo a lição
Modernista, digere influências, tira a arte da assepsia
refrigerada dos espaços do poder e a restitui como informação
nova na fala dos excluídos que vivem o anonimato das ruas.
Fonte: Mnemocine
Feito por Diniz Antonio Gonçalves Junior
Fonte: Mnemocine
Feito por Diniz Antonio Gonçalves Junior
2 comentários:
Carlos Reichenbach é, sem dúvidas, o maior
expoente do cinema pós-modernista brasileiro.
Porém, em relação ao artigo deste sítio, creio já tê-lo lido anteriormente num outro local. E observando suas outras postagens, me pergunto o porquê de você não escrevê-las...
Francisco: Acontece que eu gostei muito desse artigo, então resolvi trazê-lo para cá. A fonte do site original do artigo e o nome de quem o escreveu se encontram logo abaixo do artigo. Abraço.
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