Ótimo drama funciona como filme e ainda levanta questionamentos sociais muito pertinentes.
O cinema
alemão contemporâneo parece carregar certa preocupação já há
considerável tempo, demonstrando através de filmes políticos reconhecer o
que o país causou ao mundo, através de sua administração governamental,
durante parte do século passado. Ótimos exemplos como Adeus, Lênin!, Edukators e A Vida dos Outros justificam a afirmação anterior, assim como A Onda, filme que se une ao segmento supracitado que, além de agregar mérito à cinematografia alemã recente, serve como base para análises sociológicas muito pertinentes à questões nem sempre levantadas.
A Onda se inicia com uma informação que pode
impressionar quem conhece previamente o tema do filme: é baseado em
fatos. Nele, o professor Rainer Wenger deve trabalhar com seus alunos a
autocracia, embora estivesse esperando a anarquia como temática para sua
disciplina de curta duração. Em dúvida sobre como levantar tal assunto
em aula, ainda mais quando seus alunos apresentam certo desinteresse,
decide demonstrar na prática o significado da autocracia e dos
mecanismos fascistas que hoje fazem parte do passado do governo alemão.
Na turma de Rainer, professor que já era admirado por
seus alunos anteriormente, em parte por ser jovem e dono de estilo
despojado - uma camiseta da banda Ramones é peça de seu vestuário no
primeiro dia de aula, por exemplo -, o movimento começa através do
sugerido poder pela disciplina, fazendo com que sua turma siga algumas
regras a fim de se tornar obediente. Proclamado o líder, Rainer segue
alimentando o movimento com indicações, que passam cada vez mais a
agradar os alunos: define um nome para o grupo (Die Welle, no
original, traduzido como A Onda), um símbolo, um cumprimento e um
uniforme. Através de cada pequena imposição o professor vê suas
intenções funcionando, mas não as consequências, já que a experiência
sai da sala de aula e se torna ideologia dos jovens influenciados. O Die
Welle então se torna um movimento do coletivo, que termina com a
individualidade e livre arbítrio dos membros em benefício à suposta
ordem e união. A manifestação rapidamente se dissipa pela escola e cada
vez mais alunos decidem integrar o grupo, que discrimina qualquer um que
não faça parte dele.
Ocorrido originalmente na Califórnia, em 1967, o
experimento que deu origem ao filme foi batizado de A Terceira Onda e
proposto por Ron Jones, professor de história que devia abordar o
fascismo em aula. Jones optou pela experiência quando percebeu que seus
alunos não compreendiam a declarada ignorância do povo alemão em relação
ao extermínio de judeus, durante o regime nazista. O professor decidiu
então simular em uma espécie de microcosmo social, composto por ele e
seus alunos, o término da democracia para elevar o poder da unidade,
enquanto seguia a máxima “força pela disciplina, força pela comunidade,
força pela ação, força pelo orgulho”.
Através de ótica pessimista, A Onda funciona tanto como obra cinematográfica
inteligente quanto crítica social, embora peque vez ou outra ao inserir
resoluções que obviamente favorecem mais o drama que a realidade.
Enquanto acerta no tom com que demonstra as transformações vividas pelo
personagem do professor, que fica cego pelo controle e não percebe as
implicações prejudiciais de seu experimento, o filme apresenta a
juventude através de um viés pouco aprofundado, acrescentando
personagens inverossímeis que se enquadram em arquétipos recorrentemente
utilizados no cinema com ambientação escolar: o esportista popular, a
garota inteligente e alternativa, o jovem deslocado e incompreendido,
dentre outros.
Com direção competente de Dennis Gansel, realizador
que reconheceu a força da história que tinha em mãos e procurou a
beneficiar com sua direção, e não se sobrepor a ela, A Onda ainda conta
com um elenco que, diferentemente do Die Welle, funciona tão bem na
unidade quando no coletivo. Uma boa surpresa é a performance de Jürgen
Vogel, intérprete de Rainer, que não desequilibra a narrativa com
excessos e apresenta desempenho bastante satisfatório. No roteiro de
Peter Thorwarth e do próprio Gansel ainda se percebe a preocupação de
ambos em destinarem o tempo correto de participação e destaque tanto ao
núcleo adolescente quanto ao personagem do professor, o que serve para
que o espectador se integre à realidade da obra em questão e sinta maior
empatia e identificação para com seus personagens, assimilando as
motivações de cada um para suas atitudes – mas nem sempre as
compreendendo ou as aceitando.
A Onda revisita situações e levanta questionamentos
que parecem distantes da realidade social de hoje para muitos, mas que
são facilmente identificados, uma vez que se considere a homogeneização
da população contemporânea, massificada não apenas pela mídia – como
corretamente é dito – mas também por si própria. O pensamento fabricado é
realidade latente de nosso tempo e aparece no grupo de A Onda como
crítica ao comportamento do jovem do novo século, facilmente
influenciável, que busca a integração em grupos sociais e abnega sua
liberdade individual para fazer parte de algo maior.
Fonte: Cineplayers
3 comentários:
Gostei da indicação. O cinema alemão tem uma característica áspera e corta na própria carne. Como toda produção artística de lá.
A onda parece ser mais um daqueles filmes que assistimos prendendo a respiração. Quero assistir.
Grande abraço!
Pode assistir, acredito que não irá se arrepender, abraço.
Achei enquanto procurava algo pra ver na TV e gostei bastante. Se for parar pra pensar e discutir rende! haha
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