27 julho 2011

Artigo: Mangue Negro (2008)


O filme que redefiniu o padrão de qualidade para o cinema fantástico nacional.


Não esperava grande coisa de Mangue Negro. Apesar de ser alvo de inúmeras críticas positivas após sua apresentação no "Fantaspoa" de 2008, um respeitado festival de cinema fantástico que ocorre anualmente em Porto Alegre, e dos prêmios que recebeu (inclusive no exterior), não esperava muito de um filme de zumbis ambientado em um mangue no interior do Espirito Santo, escrito, dirigido e editado pelo desconhecido técnico em maquiagem e efeitos especiais Rodrigo Aragão. Para diminuir ainda mais minhas expectativas, Rodrigo teve a sua disposição um orçamento irrisório, que mal chegava aos 60 mil reais.

Mas nem só de decepções vive o cinema nacional, e apesar dos poucos recursos a sua disposição, Aragão conseguiu, em seu primeiro longa metragem, realizar um filme divertido e aterrorizante, com maquiagem impressionante, além de um nível de gore que faz relembrar clássicos como "Evil Dead" de Sam Raimi, e os filmes de horror italianos realizados na década de 70 e 80, como "Zombie 2" de Lucio Fulci.

O filme começa introduzindo (de maneira rápida, mas não "apressada") os personagens que compõem a trama. O falante pescador Agenor dos Santos (Markus Conká), conta histórias ao seu entediado colega enquanto remam a procura de um bom ponto de pesca no antes farto, mas agora pobre mangue. Batista (Reginaldo Secundo) , um catador de caranguejos, também sofre com escassez de caça do terreno onde vive.

Rachel (Kika de Oliveira) é uma bela jovem moradora do mangue, que cuida de sua mãe dona Alba, interpretada por Mauricio Junior (sim, um homem), uma velha cega, que passa os dias deitada em sua cama. Rachel também cuida do pai Valde (Ricardo Araujo), um senhor paralítico, com um surrado terno branco que me fez lembrar de Michael Keaton em "BeetleJuice", o terno, não a atuação. Enquanto lava roupa na beira do mangue, Rachel é observada por Luiz (Walderrama dos Santos), que perde a coragem para declarar seu amor à moça quando o nojento atravessador Antonio (Antonio Lâmego) bolina a garota que rapidamente o repele.

Luiz volta pra casa e encontra seu abusivo irmão, interpretado por Júlio Tigre. Juntos socorrem Batista, que aparece muito ferido em frente ao "barraco" dos irmãos. Batista conta que estava "catando caranguejos e caiu em cima das ostras", o irmão de Luiz tenta se aproveitar da situação ao saber que Batista havia conseguido encher um saco com caranguejos, ele vai a procura do tal saco deixando Batista sob os cuidados de Luiz com a belíssima frase: "Se eu chegar aqui e esse cara tiver morrido, vou te quebrar hein!" O ferido tenta impedir o irmão de Luiz de se deslocar até "a beira do canal", pois segundo ele, ele viu um defunto andando naquele local, mas o irmão de Luiz não dá ouvidos ao ferido e segue seu caminho.

Apesar do tratamento de Luiz, que tentou cauterizar as feridas de Batista usando um limão quente(!!!), Batista morre, fazendo Luiz Clamar em desespero "Ah não, ah não, ai meu Deus, ai meu Deus, puta que pariu...Agora eu to na merda." (ahahhahaahahah). Não demora nada para o corpo de Batista voltar a vida e atacar Luiz, que agora precisará lutar não só para defender sua vida, mas para defender a vida de sua amada.


Aqueles que não estão acostumados com "gore" podem se sentir nauseados durante a exibição do filme. Mangue Negro é literalmente um banho de sangue. O diretor gastou nada menos que 700 litros de sangue falso na produção. As cenas são muito gráficas e muito pouco fica "off screen". Podemos apreciar decepamento de cabeças e membros, banquetes de carne humana, cabeças esmagadas, tudo isso diante da câmera, deixando claro que o bom e velho sangue falso deixa no chinelo qualquer produção digital. Os efeitos especiais, também assinados por Rodrigo, são muito bem realizados, com o destaque para uma bela cena em stop motion.

A maquiagem é excelente tanto na caracterização dos zumbis, quanto na caracterização dos próprios personagens. Tanto dona Alba, quanto dona Benedita (André Lobo), são duas velhas senhoras interpretadas por homens jovens, assim como Ricardo Araújo, que está sob pesada maquiagem para interpretar o velho Valde.

Além dos trunfos técnicos, Mangue Negro ainda colhe os frutos do talento de Aragão como diretor. Rodrigo mostra inteligência tanto com seus inusitados ângulos de câmera, quanto na sua maneira de conduzir o roteiro. A história é contada de maneira não linear, com cenas em lugares diferentes ocorrendo em tempos diferentes, fazendo com que algumas cenas sejam explicadas ou complementadas por uma cena posterior.


O diretor ainda consegue manter o filme interessante, com diálogos divertidos e a excelente utilização da trilha sonora executada pela orquestra sinfônica do Espirito santo. Para o meu espanto, descobri recentemente que o filme foi todo rodado nos fundos da casa de Rodrigo (que mora na pequena cidade capixaba Guarapari), e que este realizou todo o trabalho de edição em quatro horas, em seu quarto. Isso é o que eu chamo de um belo trabalho artesanal.

É claro que Mangue Negro não é um filme perfeito, as dificuldades técnicas ficam claras principalmente nas cenas "noturnas", que na verdade parecem terem sido filmadas à luz do dia e posteriormente escurecidas com um tosco efeito digital, deixando boa parte do filme em tons de "cinza azulado". Os atores são amadores e a maioria não têm qualquer noção de representação. O roteiro as vezes é excessivamente divertido, com os personagens lançando falas engraçadas em momentos que deveriam ser de tensão para o expectador.

O incrível trabalho de maquiagem também fora prejudicado pela falta de recursos da produção, um bom exemplo são os "cabelos brancos" de dona Benedita, que visivelmente são na verdade pedaços de algodão. O agitado e trêmulo trabalho de câmera, em muitas cenas de ação, também não é do meu agrado.

Mas tais problemas são poucos comparados com as qualidades de Mangue Negro, um filme que já é um clássico do cinema independente. Num país monopolizado pela "Globo filmes", fico imaginando o que faria Rodrigo Aragão com os 6 milhões de reais investidos na produção de "Se eu fosse você 2" por exemplo.

Rodrigo Aragão já estreou esse ano, novamente recebendo muitas críticas positivas, o seu segundo longa intitulado: "A noite do chupacabras". Desta vez aguardo este filme com a melhor das expectativas.

Por Luiz Gustavo Klumb Kiesow.

4 comentários:

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Texto maravilhoso sobre um filme que certamente deve ser visto. Confesso que não fazia ideia da existência desse filme e desse caminho seguido pelo nosso terror independente. Estou louco para ver, e com certeza vou correr atrás.

Interessante você citar a dominação da Globo Filmes aqui no Brasil. Pouca gente fala disso, e achei o máximo a citação da transferência do dinheiro (e quanto dinheiro) daquela comédia lobotômica para uma produção que gosta e pretende levar o terror para um outro nível!

MÁXIMO!!!

Anônimo disse...

e o link?

Renata Pareto disse...

Estou doida para ver esse filme, mas cada o link?

Felipe Pucinelli disse...

Link já disponível:

http://atercapartedocinema.blogspot.com/2011/10/download-mangue-negro-2008.html

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